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Resumo: O artigo aborda a vivência de um projeto de extensão universitária, “Olhares Viajantes”, que desenvolveu ações pedagógicas, objetivando instigar acadêmicos do curso de Artes Visuais – Licenciatura (FURG) a reformularem pensamentos, e a refletirem criticamente sobre as questões identitárias e as relações sócio-históricas. Para encaminhar tal proposta foram realizadas saídas de campo, pelo interior do município do Rio Grande e do estado (RS), com o objetivo de criar um espaço de convivência e ponderação coletiva, utilizando a arte como suporte para as reflexões desenvolvidas. Palavras-chave: Arte, Formação de Professores, Educação Ambiental. Abastract: This article presents the experience of an academic extension project, “Olhares Viajantes”, which developed pedagogical actions, with the purpose of instigating academic students of Artes Visuais – Licenciatura (FURG) to reformulate their thoughts and critically reflect about its identity issues and its socio-historical relations. To direct such proposal, field trips to the Rio Grande city area and to the state of Rio Grande do Sul were taken, with the o objective of creating a space of collective sociability and consideration, using art as a support for the reflections developed. Key Words: Art, Teachers Formation, Environmental Education A realidade planetária, da violência urbana aos problemas decorrentes da degradação ambiental manifesta a necessidade emergencial de interferirmos no processo histórico, de forma crítica e reflexiva, em busca de uma mudança de comportamentos e de mentalidades. Somos conscientes de que a cosmovisão antropocêntrica está na base dos problemas que a sociedade urbana do século XXI precisa encarar sem rodeios. A mentalidade do capitalismo mercantilista fragmentou e banalizou as relações sócio-históricas, dissolveu as culturas, transformou a multiplicidade em unanimidade e dissolveu identidades. O pensamento ambientalista que a princípio tinha um caráter preservacionista, atualmente encarna uma filosofia que prevê a necessidade de uma integração nas relações do homem consigo mesmo, com o outro e com o meio natural, para o restabelecimento do equilíbrio da vida no planeta. Pensadores como Paul Valéry, Edgar Morin e Felix Guattari acreditam que Cultura e Arte são por si só potências de transformação, e destacam a possibilidade de conhecimento compartilhado que oferecem. Eles defendem que o desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica e a efetiva contribuição da Arte no processo de culturação dos povos são importantes instrumentos no desenvolvimento de uma cultura social que favoreça a mudança de atitudes, sob a perspectiva de compreensão das relações sistêmicas. De acordo com essa filosofia, a formação dos indivíduos - principalmente daqueles que freqüentam os cursos de licenciatura - deve estar comprometida com o aprimoramento do conhecimento, através da incorporação de valores humanistas e ambientais às ações pedagógicas. Cabe ressaltar, que no caso particular da constituição de futuros arte-educadores, se destaca o papel estratégico da Arte na aquisição de novas idéias, conhecimentos e competências, necessárias para a conscientização acerca das responsabilidades sócio-culturais dos cidadãos. Será que não existe um reino da sabedoria, do qual a lógica está proscrita? Será que a arte não é até um correlativo necessário e um complemento da ciência? Questões como essas propostas por Nietzche, reforçam a necessidade de perceber-se o mundo a partir de sua dimensão estética. Para mudar é preciso perceber - apurar o olhar -, conhecer e reconhecer-se. A utilização da visão, do aparato óptico natural, como ferramenta de decodificação da realidade, possibilita a formulação de novas propostas na transformação da relação do homem consigo mesmo, com o outro e com o meio natural [GUATTARI, 1990]. Nesse contexto, de caos e superação, o ensino e a vivência da Arte assumem destacada relevância para o surgimento de uma nova escola voltada para a gênese de indivíduos capacitados a uma leitura de mundo sagaz e sensitiva, possibilitando intervenções criativas no mundo. Educar para a prática cidadã é a razão de ser de toda educação democrática. A cidadania é uma construção social como espaço de valores, de ações e de instituições comuns que integram os indivíduos. É, portanto, uma prática social, uma prática política fundamentada em valores como a liberdade, a igualdade, a autonomia, a solidariedade, a desobediência a qualquer poder autoritário e o respeito às diferenças e às identidades. A formação da cidadania supõe a possibilidade de criar espaços educativos nos quais os sujeitos sociais sejam capazes de questionar, de pensar, de assumir valores e de submeter à crítica, valores, normas e direitos morais pertencentes a indivíduos, a grupos e a comunidades, inclusive os seus próprios direitos.
A tradição do pensamento utilitário subordinou a subjetividade à disciplina, ao controle, à adaptação, à instrumentalidade e à utilidade. A postura sócio-interacionista do pensamento de Liev Semionovich Vygostsky manifesta-se contra o controle e a previsão do comportamento individual, destacando a importância da compreensão da processualidade da individuação do sujeito social, historicamente posicionado em uma cultura. O autor ressalta a contribuição dos sujeitos para a transformação do meio, e a importância da mediação das linguagens artísticas para a construção simbólica da realidade concreta. Nos últimos anos, quando atuei como professora do curso de Artes Visuais – Licenciatura, da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), priorizei o enfoque no resgate das relações individuais e sociais através da Arte, da Educação e da Ação Cidadã. Busquei, através de uma dinâmica interativa entre sujeitos e objetos e da criação de suportes simbólicos, o exercício da imaginação, da sensibilidade e da emoção, tendo como meta principal à interpretação do contexto sócio-histórico. Considero que um dos maiores desafios do educador contemporâneo é sensibilizar os estudantes para as discussões sobre as questões identitárias, e foi com essa preocupação que o projeto “Olhares Viajantes” foi concebido. Sob a forma de um conjunto de saídas de campo, a proposta metodológica objetivou a criação de um espaço de convivência e ponderação coletiva, sobre o patrimônio artístico, cultural e natural do município do Rio Grande e do estado do Rio Grande do Sul, utilizando a arte como suporte para as reflexões desenvolvidas. Para encaminhar tal proposta foram realizadas saídas de campo que incluíram, além da visita a Vila da Quinta, Ilha dos Marinheiros e Eco-museu da Picada (Arraial), todas localidades situadas no município do Rio Grande; viagem à região dos Sete Povos das Missões, incluindo a estada na cidade de Santo Ângelo; á Santa Maria e Cidade da Mata; à região da grande Porto Alegre; e visita as cidades de Mostardas e Tavares, e ao Parque Ecológico da Lagoa do Peixe. A oportunidade de conhecer novos lugares foi um grande estímulo para o grupo, instigado pela possibilidade de desvelamento da realidade. Mais que tudo, o convívio viabilizou o objetivo de estimular os participantes a reformularem pensamentos, e a refletirem criticamente sobre a identidade dos múltiplos sujeitos e as relações de alteridade na contemporaneidade.
O projeto efetivou o desenvolvimento de um ambiente de lazer, aprendizagem, reflexão e criação artística, para trinta (30) acadêmicos do curso de Artes Visuais – Licenciatura, que ao longo de 2005 percorreram mais de 5000 km do território sul-riograndense.
“Olhares Viajantes” caracterizou-se pelo caráter interdisciplinar do processo, que possibilitou o cultivo da auto-estima, da cooperação, da responsabilidade sócio-ambiental, e a prática da linguagem fotográfica e do desenho de observação. As atividades permitiram o (re)conhecimento da região, e o desenvolvimento de ações que uniram o fazer artístico ao pensamento crítico-reflexivo. Além dos materiais produzidos em fotografia e desenho, as experiências foram registradas em diários individuais – “diários de bordo” -, como registros de exposição íntima e real dos acontecimentos (figura 1). Posteriormente essas anotações possibilitaram compartilhar com o grupo o processo de vivência da proposta, e facilitaram o exercício da criação artística. Figura 1: Daniel Duarte - Ruínas. Desenho, 2005.
Figura 2: Cláudia Brandão. Catedral de Santo Ângelo, 2005. Fotografia.
Figura 3: Cláudia Brandão. Cidade da Mata. Fotografia, 2005.
A valorização do individuo e de suas vivências, viabiliza a conscientização de suas funções sociais e determina o desenvolvimento de cidadãos críticos e reflexivos, possibilitando a formação de agentes modificadores de uma realidade social, política e ambiental adversa.
Figura 4: Douglas Brum Salcedo. Figueira da Ilha dos Marinheiros. Desenho, 2005.
O envolvimento, a participação coletiva, a possibilidade de partilhar e compartilhar vivências, e o prazer desfrutado fortaleceram o desenvolvimento de uma mentalidade que cultiva o sentido de pertencimento e valoriza o contexto sócio-histórico. Acima de tudo, “Olhares Viajantes” contribuiu para o fortalecimento de sujeitos criativos, que buscam a ética e a estética das relações. O material produzido pelo grupo durante as viagens serviu de base para a produção de obras artísticas, que integraram uma exposição coletiva que em 2006, numa segunda etapa do projeto, percorreu as escolas municipais, discutindo com a comunidade escolar a proposta. O produto final, um conjunto de obras nas técnicas do desenho, fotografia, pintura e colagens, foi fruto da reflexão e do exercício da criação artística, no qual a arte foi des-sacralizada em favor da ação cotidiana de compreensão de si mesmo e do mundo. Figura 5: Aldair Vieira Júnior. Desenho, 2005. Figura 6: Gicelda Bárbara. Técnica mista, 2005. Figura 7: Gicelda Bárbara. Técnica mista, 2005. Figura 8: Xênia Velloso. Lagoa do Peixe, Mostardas. Fotografia digital, 2005. O enfoque nos problemas reais e cotidianos permitiu discussões a partir de um contexto cultural mais amplo. As reflexões estão associadas a ações nas quais as relações entre o desenvolvimento cognitivo e a educação são consideradas a partir de um ponto de vista dialético, que analisa, além dos aspectos científicos, as características culturais regionais e suas intrínsecas correlações históricas. No desenrolar do projeto a Arte foi caracterizada como instrumento teórico-prático de análise crítica da realidade, o que possibilitou a vinculação significativa entre teoria e prática, facilitando a re-significação do patrimônio cultural e o resgate da memória social comunitária, tornando os sujeitos em protagonistas ativos na construção de suas próprias identidades.
Referências Bibliográficas: GUATTARI, F. As Três Ecologias. Campinas, SP: Papirus, 1990. ________. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed. 34, 1992. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000. HUTCHISON, D. Educação Ecológica: idéias sobre consciência ambiental. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. MORIN, E. A Cabeça Bem-Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. OLIVEIRA, A.C. de, FECHINE, Y. (eds). Visualidade, Urbanidade e Intertextualidade. São Paulo: Hacker Editores, 1998. REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1998. VYGOSTSKY, L.S. La imaginacion y el arte en la infancia. Madrid: Akal, 1990.
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