voltar ao menu de textos |
Resumo: Este texto apresenta uma reflexão pessoal a partir de algumas perspectivas sobre a importância do ensino das artes visuais, centrando-se na via de uma educação artística para a compreensão. Abstract: The paper presents a personal reflection about some rationales for art education focusing on a possible path of art education through contextual understanding. De entre as variadas finalidades que consideramos importantes na educação, duas são muito especiais: queremos que os nossos estudantes sejam bem informados, ou seja que compreendam idéias importantes, úteis, belas e fundamentais e queremos também que eles tenham o apetite e a habilidade de pensar analiticamente e criticamente, que sejam capazes de especular e imaginar, de ver conexões entre idéias e serem capazes de usar os seus conhecimentos para enriquecer as suas vidas e contribuírem para a sua cultura. (Eisner, 1997) 1. As artes na educação A partir de perspectivas psicológicas ou psicopedagógicas, a aprendizagem no campo das artes exige um pensamento de ordem superior (Vigostky, 1979). Na compreensão e produção artística desenvolvem-se estratégias intelectuais como por exemplo a análise, a inferência, a definição e resolução de problemas entre outras. Além disso quando um estudante realiza uma actividade de compreensão artística, potencia uma habilidade manual ou desenvolve um dos sentidos (o ouvido, a vista, etc.) mas também e sobretudo desenvolve a mente, quer dizer, as suas capacidades de discernir, interpretar, compreender, representar, imaginar. Existem várias experiências actuais que demonstram a importância da arte educação ou educação artística no ensino[1], mostrando em particular como o desenvolvimento estético pode promover domínios de aprendizagem sócio-emocional, sócio-cultural e cognitivo. Na 30ª Conferência da Unesco, em Novembro de 1999, foi lançado um apelo global para a promoção da educação artística e da criatividade nas escolas, esta ONG tem trabalhado afincadamente neste tema desde o relatório de 1996[2] através da publicação de relatórios e conferências[3] para a divulgação dos benefícios da educação artística para a aprendizagem e para o desenvolvimento sustentável dos povos. As artes são uma via de conhecimento caracterizado pela utilização constante de estratégias de compreensão e a educação pelas artes apresenta amplas referências sobre questões como a universalidade ou a variedade da experiência humana, similares às que se podem levantar pelos físicos sobre a ordem e o caos ou os modelos de representação do universo. No entanto a escola como instituição onde o conhecimento se deve adquirir não parece reconhecer por completo a importância das artes, por vezes tidas como disciplinas secundárias tanto por educadores como por alunos e encarregados de educação. Tal se deve a uma má compreensão e até desconhecimento do papel das artes no desenvolvimento da criança e do adolescente. Embora se parta do princípio que todas as artes devam fazer parte do ensino, este artigo foca essencialmente questões relativas ao ensino das artes visuais. Segundo Hernandez (1997) a Educação artística tem vindo a justificar a sua importância como área curricular por diferentes razões ao longo da sua história, os argumentos que a justificam revelam o espírito da época e a visão muitas vezes política do que se pretende ser a sociedade do futuro. Por exemplo: - O argumento Industrial considera que as destrezas, os critérios e o gosto veiculado pelas artes contribuem para o desenvolvimento do país; - O argumento histórico utiliza como argumento o fato de que a arte tem um papel reconhecido pela história; - O argumento baseado no desenvolvimento econômico diz que a arte é uma maneira de acompanhar os países mais desenvolvidos; - O argumento moral considera que a educação artística contribui para a educação moral das crianças através do cultivo da sua vida espiritual e emocional; - O argumento expressivo acredita que as crianças devem poder projetar os seus sentimentos e emoções e o seu mundo interior através da arte; - O argumento cognitivo considera que a arte favorece o desenvolvimento intelectual das crianças, este ponto de vista teve maior enfoque a partir da revolução cognitivista e da educação conceptual dos anos sessenta; - O argumento perceptivo defende a necessidade de que através da arte as crianças podem desenvolver a sua percepção visual, na dimensão estética e através da observação e análise dos elementos formais, desenvolver habilidades plásticas; - O argumento criativo argumenta que se a escola deve favorecer o desenvolvimento de capacidades criativas as artes são de vital importância para esse desenvolvimento; - O argumento comunicativo considera que se vivemos numa cultura dominada pela imagem é importante que os estudantes aprendam a ler e a produzir imagens. Alguns aspectos da semiótica e a importância da aprendizagem de conceitos da linguagem formal são os eixos que sustentam essa forma de racionalidade; - O argumento interdisciplinar pretende que se a Educação artística quer ter um reconhecimento similar às outras matérias do currículo deve organizar os seus conteúdos segundo quatro grandes áreas: Estética, História, Crítica e Oficina. Este argumento surgiu nos Estados Unidos nos fins dos anos sessenta e foi divulgado com o apoio da Fundação Getty com o nome de DBAE (Discipline Based Art Education);< - O argumento cultural considera que a arte é uma manifestação cultural e que os artistas realizam representações que são mediadoras de significados em cada época e cultura. A compreensão (na sua dupla dimensão de interpretação e produção) de esses significados é o objetivo prioritário da Educação artística para alguns docentes do início dos anos noventa. Esta tendência filia-se no contexto da denominada pós modernidade cultural, revendo o atual estado da arte e o papel que exercem as imagens (reais e virtuais) na construção de representações sociais. 3. Educação artística para a compreensão Atualmente, acreditamos que o argumento cultural definido por Hernandez (1997) é o mais adequado para justificar e desenvolver programas de Educação visual em todos os níveis de ensino, não só porque apresenta uma visão atual da arte e da sociedade mas também porque propõe a Educação artística para a compreensão, o esquema da figura 1 sistematiza sumariamente esta abordagem. Conceito útil numa atualidade onde o que se considera arte se caracteriza pela dissolução dos seus limites (tanto dos media como dos conceitos), o que leva a que as manifestações e objetos artísticos se mostrem mais para ser compreendidos (os seus significados) do que para serem vistas (como estímulos visuais). Esta preocupação com o significado da arte coincide com um interesse similar noutros campos como a antropologia ou a psicologia e com um conceito de cultura como fator explicativo de representações e comportamentos dos seres humanos (Hernandez, 1996).
Esta nova visão da Educação visual situa a interpretação no centro do programa de ensino. Segundo Parsons (1992) a linguagem é o mediador do processo de interpretação visual que não é só verbal ou visual mas também se vincula nos processos artísticos. Tomemos como finalidade principal da Educação visual: Favorecer a compreensão da cultura visual através de estratégias de interpretação a partir de objetos (físicos ou midiáticos) que constituem a cultura visual. Este tipo de enfoque engloba muitos processos cognitivos e metacognitivos e vai para além da simples resolução de problemas de produção artística. A cultura visual é um universo de significados, a educação para a compreensão da cultura visual pretende estudar a dinâmica social da linguagem que clarifica e estabiliza a multiplicidade de significados através dos quais o mundo se apreende e representa (Hernandez,1997). Exemplos da prática pedagógica têm vindo a ilustrar esta perspectiva. Numa escola primária[4] dos arredores de Barcelona após uma visita a uma exposição de obras de Lucien Freud onde os alunos viram como corpos propositadamente deformados poderiam ser belos, a professora pediu aos alunos para abordarem visualmente o tema do corpo humano; cada aluno trouxe para a sala de aulas uma imagem do corpo, na maioria os alunos, influenciados pela aprendizagem do corpo humano em ciências, traziam imagens de fragmentos do corpo: uma cabeça, um pé, um braço, alguns trouxeram imagens de anúncios publicitários. Com a ajuda da professora interpretaram as imagens levantando questões tão variadas como as relativas ao funcionamento do corpo; à relação da pessoa com o seu corpo; à relação do corpo com o ambiente; diferentes modos de representar o corpo segundo culturas e crenças. O debate seguiu para questões de gênero e de raça e no final deste projeto de trabalho as crianças representaram o seu próprio corpo em suportes plásticos. Noutra escola primária[5] desta cidade uma outra professora foi com os alunos visitar uma exposição de quatro mulheres pintoras, surgiu a pergunta porque existem tão poucas mulheres na história da arte? As crianças a partir de enciclopédias foram listando nomes de artistas-mulheres, datas das suas biografias e locais de origem. Organizaram a informação aprendendo noções de geografia, história e arte; apesar da tenra idade (8-9 anos) discutiram o papel da mulher na sociedade em diferentes contextos com rigor e seriedade. Num atelier de tempos livres na zona centro de Portugal, a professora propôs às crianças o tema: ‘a arte pode contar histórias’, as crianças partiram da interpretação pessoal de obras de Paula Rego; Norman Rockell e Marc Chagall para fazerem oral e visualmente as suas histórias, pelo meio foram aprendendo muitas coisas; discutindo diferentes maneiras de viver, locais e culturas; apercebendo-se de como a sua cultura era rica e de como as outras culturas também o eram. Este projeto fez parte de um intercâmbio com uma outra escola primária nos Estados Unidos[6], através da troca de desenhos das crianças e sua interpretação os meninos e meninas tiveram acesso a outros universos de ser e de fazer. No ano seguinte as professoras continuaram este tipo de partilha com o tema: ‘os meus jogos preferidos’. Neste ano (2005) está em curso um outro projeto de intercâmbio dirigido pelo Professor Kinichi Fukumoto[7] com vários países sobre o tema: “Creating Imaginative Lunch for a Foreign Friend”, para crianças dos 7 aos 13 anos. Na escola portuguesa que está a participar as crianças sentem que aprendem e compreendem coisas úteis sobre história; geografia, arte e gastronomia, a professora acredita que os alunos estão de facto a desenvolver capacidades de pensamento e reflexão crítica sobre cultura[8]. Tais práticas centram-se no desenvolvimento de trabalhos de projeto sobre um tema relacionado com o quotidiano das crianças, proporcionam espaços de pesquisa, diálogo e produção artística. Para tal ser possível a educação visual necessita rever a sua concepção de cultura, tendo em conta fatores sociais, nomeadamente os aspectos semiológicos da cultura. Uma concepção de cultura que inclua a proliferação de imagens pelos massmedia e os seus significados múltiplos para um público diversificado e multicultural. (Duncum, 1997). A cultura visual engloba representações de diferentes artes visuais, formas estéticas de diferentes culturas e épocas: desde as pinturas rupestres à Internet, dos mantras às pinturas abstratas de Sean Scully; das instalações de Ana Mendieta aos anúncios publicitários da Benetton., da cultura legitimada pelas elites à considerada como cultura popular. (Hernandez, 1997).A educação artística para a compreensão é diferente das tendências centradas no ensino da habilidade reprodutora ou interpretativa (o desenho, a arte infantil), no desenvolvimento de uma atitude libertadora (expressão plástica), no reconhecimento de códigos analíticos da imagem (atual Educação Visual). A educação artística para a compreensão é, sobretudo a interpretação e valorização das produções artísticas e das manifestações simbólicas de caráter visual das diferentes épocas e culturas. Este tipo de educação requer conhecimentos interdisciplinares que permitam a abordagem das diferentes culturas de outras épocas e lugares (conhecimento histórico e antropológico), para favorecer a aprendizagem de estratégias de interpretação (conhecimento estético e crítico) e a realização de produções com diferentes media e recursos (conhecimento prático). A relação entre estes saberes favorece o desenvolvimento crítico e relacional (Freedman, 1992). Assim as crianças podem: (1) Adquirir um conhecimento de si mesmo e do mundo; (2) Contribuir para a estruturação do conhecimento transdisciplinar; (3) Favorecer atitudes de interpretação, relação, crítica e transferência em relação ao mundo que os rodeia; (4) Estar em processo de constante aprendizagem. O conhecimento aparece assim, para cada indivíduo, como um processo dialético que tem lugar em contextos sociais, culturais e históricos específicos. Conhecer pode também ser o processo de examinar a realidade questionando e construindo visões e versões não só perante a realidade, mas também perante outros problemas e realidades (Hernandez, 1997, p. 61). Referências: DUNCUM,
P. 1997 Art Education for New Times. Studies in Art Education.38
(2), 69-79.
Notas: [1] Programa Humanitas: USA: United School District of Los Angeles; Project Zero da Universidade de Harvard, USA: AAAE; Escola Primária Aracy Barreto Sacchis, Brasil; Projecto Entre dois rios: Austrália; Projecto Reviewing Education and the Arts Project: USA, Universidade de Harvard. [2] Comission Internationale pour l’éducation pour le XXI siècle , Relatório para a UNESCO publicado em português pelas Ed. Asa : ‘ Educação: um tesouro a descobrir’. [3] http://www.unesco.org/culture/lea [4] Exemplo referido por Fernando Hernandez na sua comunicação no 14º Encontro Nacional da Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual, Abril 2002, Évora, Portugal. [5] Exemplo referido por Fernando Hernandez na sua comunicação no 14º Encontro Nacional da Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual, Abril 2002, Évora, Portugal [6] A descrição do projecto pode visitar-se em http://www.geocities.com/aiea2000/ [7] Dept. of Arts Education, Hyogo University of Teacher Education, Japan. [8] Os resultados deste projecto serão apresentados no Congresso Internacional da InSEA, em Viseu/Portugal – Março 2006, http://insea2006.apecv.pt/
Revista
Digital Art& - ISSN 1806-2962
- Ano III - Número 03 - Abril de 2005 - Webmaster
- Todos os Direitos Reservados
OBS: Os textos publicados na Revista Art& só podem ser reproduzidos com autorização POR ESCRITO dos editores. |